terça-feira, 19 de outubro de 2021

MESTRES INESQUECÍVEIS


   Sou de uma época em que a relação professor-aluno podia ensejar marcas profundas, lembranças perenes, hoje tão difíceis, pois no momento pretende o mercado ser a dimensão de tudo. Inclusive da educação, pois para seus “ideólogos”, certamente equivocados, o objetivo maior da educação seria a formação de mão-de-obra, não a de cidadãos, estes a maior pretensão da época da minha formação (começo dos anos 40 a 1964, quando concluí o curso universitário).

Alguns mestres me deixaram marcas inesquecíveis, e de seus nomes recordo com carinho; de outros guardo os nomes na memória, sem relacionar motivos para marcas profundas; de outros – a maioriame esqueci pouco tempo após a conclusão dos cursos. Houve até quem, pelos exemplos, me levasse a mudar de colégio. Houve também quem me decepcionasse por pregar em classe valores como liberdades democráticas e, na primeira oportunidade, negá-los.

Testemunhei esse tipo de procedimento cínico, oportunista, em 1964, ano em que concluí o curso de graduação na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Essa atitude contraditória, que costumo debitar à “cultura do cinismohoje tão em alta no Brasil, pode ser avaliada em alguns de meus livros, como Vendedores de Ilusão, cujo personagem principal, Carlos Semana, é um professor e intelectual comprometido com a liberdade num país sob a ditadura; em Vamos Empinar Papagaio, um velho advogado humanista testemunha o desmoronamento, a partir de 64, dos ideais ensinados na faculdade, que a partir de então começa a formar mais técnicos do que cidadãos.

Mas voltemos ao começo. No antigo curso primário cursado no começo da década de 40 em Itatim (ex-Tanquinho) e Lajedo Alto, no sertão da Bahia, quem me marcou foi a professora Beatriz Lemos, moça de caráter, cujas atitudes contrárias aos valores da pequena burguesia local me despertou a curiosidade pela luta de classes. Procuro visitar sempre aquela região próxima da Chapada Diamantina, e desvio do itinerário a fim de rever a localização dos prédios onde funcionavam a então Escola Mista de Tanquinho e a então Escola Mista de Lajedo Alto.

Em Itatim, onde comecei o primário, a professora Maria José (Zezita) despertou meu interesse pela leitura. Lembro-me como se fosse hoje, quando o trem se aproximava, ela pedia que eu fosse comprar o jornal A Tarde e procurasse saber se a revista Seleções havia saído. Eram, então, as leituras possíveis, além dos livros escolares. Devo à professora Zezita, pois, o despertar para a leitura.

Em 1949 me mudei para São Paulo, onde cursei o madureza, o colegial e a faculdade. Nesses três cursos, tive professores que marcaram minha formação e contribuíram decisivamente para a escolha da profissão de advogado e o despertar para matérias como literatura, filosofia e as demais de conteúdo social.

Anderson, professor de Ciências de um cursinho que mais tarde deu origem ao Curso Santa Inês, merece destaque especial não pela vocação de mestre como também pelo espírito de solidariedade. Era época de dificuldades. Após a aprovação no madureza, desempregado, encontrei-o casualmente no Parque D. Pedro II em São Paulo. Paramos para um dedo de prosa e, ao perceber minha situação, sem que lhe pedisse, emprestou-me uma generosa quantia em dinheiro. E sequer estabeleceu prazo para devolução, nem condições. Ele também era pobre; estudava medicina e dava aulas para custear suas despesas.

Certamente por conta de sua generosidade (confirmadora dos valores que pregava em classe), mais tarde, com outros professores, criou - e prosperou - uma editora, a Ática, que logo se destacou entre os leitores no mercado.

No Colégio Oswaldo Cruz, onde cursei o 1° ano clássico, tive a oportunidade de conhecer um professor responsável pela minha mudança para o Colégio Estadual de São Paulo, onde concluí o clássico. Dos professores do Oswaldo Cruz, o de latim, professor  Bretas, me marcou por causa de uma atitude da direção do colégio. O professor Bretas, da rede pública, era rigoroso, mas justo. Para a maioria dos alunos, o latim era bicho-papão. No fim do ano, a maioria estava no vermelho. O expediente usado para a promoção de todos foi simples: anteciparam a aplicação da prova a cargo de outro professor sem consciência do seu verdadeiro papel. Ao saber do episódio, tomei duas decisões: resolvi transferir-me para a rede pública, submetendo-me a rigoroso exame de seleção, e decidi não mais cursar letras, depois da seguinte conclusão: “formar em letras e ser tratado dessa forma!”. Na época, se prenunciava a desvalorização do professor público, que, a exemplo do professor Bretas, precisava complementar o ganho ensinando também na rede privada.

Nos dois anos no Colégio Estadual de São Paulo, tive a oportunidade de conhecer professores marcantes, como o de português, professor Machado; Desna, de Geografia; Mário Leônidas Casanova, de Filosofia. É com saudade que deles me recordo.

Na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, também tive a oportunidade de conviver com mestres que continuaram no meu coração pela vida toda. Faço questão de citar o mais importante deles: Goffredo Telles Junior, de Introdução à Ciência do Direito, que registrou no seu livro A Folha Dobrada – Lembranças de um Estudante: “No fundo de mim, no segredo de mim mesmo, eu nutria a esperança de formar gente, formar pessoas, dignas de sua humanidade; formar juristas, formar estadistas para o Brasil. Esta era minha aspiração, meu ideal secreto”.

A esperança do velho e sempre jovem Goffredo se concretizou. Apesar de sua idade avançada, freqüentemente se encontra com seus alunos de outrora e de sempre.

Orgulho-me de figurar entre eles.

 

Antonio Possidonio Sampaio [17.05.2005]

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

UMA FESTA INESQUECÍVEL

Antonio Possidonio Sampaio

 

Inesquecível, esta a palavra exata para qualificar a festa de inauguração do ABCs - Núcleo Alpharrabio de Referência e Memória, ocorrida na noite de 16 de março na Livraria Alpharrabio, em Santo André.

Para quem perdeu a festa de casa lotada, animada com um show dos compositores e cantores Kleber Albuquerque e Zé Terra, certifico e dou fé que a inesquecível noitada assinalou também o sexto aniversário do Alpharrabio Livraria Espaço-Cultura, local de encontro de intelectuais, escritores, poetas, gente de teatro, de artes plásticas e outras atividades artísticas, além da freguesia de livros raros, usados e novos.

O Alpharrabio foi inaugurado a 21 de fevereiro de 1992, mas este no ano a festa de aniversário foi adiada por causa do carnaval. Sua proprietária, a poeta, pesquisadora e ensaista Dalila Teles Veras, resolveu realizar uma única festa, a que freqüentadores da Casa e convidados que se deslocaram de outras cidades da região e de São Paulo compareceram em número surpreendente, assinalando um momento histórico na vida cultural da região.

Assim, a inauguração do ABCs representa mais uma etapa na trajetória desse importante pólo de referência cultural que o Alpharrabio atualmente representa. Seu prestígio crescente ficou mais uma vez comprovado também pelo noticiário da imprensa local e de veículos de informações como a Rádio Eldorado, de São Paulo, que destacou a inauguração do ABCs em seu noticiário nobre, através de entrevista da incansável Dalila, que certamente se orgulhou do notável acontecimento.

No ABCs, que funciona na Livraria Alpharrabio (rua Eduardo Monteiro, 151 - Santo André), pesquisadores e interessados em conhecer a cultura artística da região, bem como seus escritores e outros cuja produção diga respeito ao ABC, encontram centenas de livros, recortes de jornais e revistas, fotos e outros documentos relacionados à região.

Trata-se de mais uma iniciativa generosa da poeta Dalila que por isso merece aplausos de todos nós.

fevereiro/1992

 A FIDELIDADE DE FIEL E A MINHA INFIDELIDADE

Antonio Possidonio Sampaio

  

Quem na vida não cometeu algum tipo de infidelidade? Você não? Pois eu já. Meu remorso pela mancada foi inclusive tornado público, apesar de não ter certeza de que alguém disso tenha tomado conhecimento, pois a minha confissão está em Andanças na Contramão, meu último livro, esgotado no dia do lançamento e de edição pequena.

Mas voltemos à infidelidade, palavra que os politicamente corretos acham que deveria ser banida do dicionário, assim como o professor de direito penal Ney Moura Teles entende que o conceito de "mulher honesta" deve ser riscado do Código Penal.

Mas como o conceito de infidelidade se ajusta à esfera moral e não à jurídica, com licença dos jus-filósofos, continuo entendendo que qualquer pessoa está sujeita a receber a pecha de infiel por este ou aquele motivo moralmente reprovável.

Fiel mesmo de verdade só conheço um. Ele é freqüentador assíduo do Parque Antonio Flaquer, mais conhecido como Ipiranguinha.

Na minha caminhada mututina da última quarta-feira de cinzas, lá estava ele, aguardando por seus companheiros de caminhada que geralmente chegam ao parque por volta das seis e meia. Às seis, Fiel já era notado nas imediações dos equipamentos para alongamento.

Nessa quarta de cinzas, Fiel estava mais inquieto do que de costume, talvez por que seus companheiros não tenham ido caminhar durante o carnaval ou por outro motivo qualquer. Cheguei a fazer-lhe alguns agrados como estalar os dedos e esboçar sorriso de amizade e reconhecimento, mas nada disso funcionou.

Só com a chegada do Paulo, aquele nisei simpático que cumprimenta todo mundo com um caprichado bom-dia, Fiel sossegou. Correu em direção ao amigo, que o cumprimentou com um delicado toque de mão direita na pata esquerda que Fiel ergueu com estilo que os portadores de pedigree raramente possuem.

Pois é, já confessei no referido livro que fui infiel e acometido de remorso quando substituí o Parque dos Amores, mais conhecido por Duque de Caxias, pelo Ibirapuera. E agora, em reincidência, troquei provisoriamente o Parque dos Amores pelo Ipiranguinha, não só pelo fato de o Duque passar por reformas, mas e principalmente por me sentir tão bem presenciando as lições de fidelidade de Fiel por seu amigo Paulo.

Não tenho intimidade com Paulo nem sei o nome do seu simpático cachorro. Se fosse meu, certamente o chamaria de Fiel. O que você acha?


 

A ORATÓRIA E OS CORBIANOS

Antonio Possidonio Sampaio

 

Nos idos de abril de 1957, comecei a freqüentar o CORB - Centro de Oratória Rui Barbosa, que naquela época promovia reuniões aos domingos pela manhã no auditório da Câmara Brasileira do Livro, na avenida Ipiranga, 1267, em São Paulo.

Dedicado ao estudo, à prática e à difusão da oratória, o CORB foi fundado em 1949, ano em que o Brasil comemorava o centenário do nascimento de Rui Barbosa, jurista e tribuno baiano.

A oratória ou estudo da arte de falar em público, hoje mais conhecida como comunicação verbal, na época atraía muitos jovens, estudantes e pessoas de outras ocupações e níveis de cultura.

O ambiente me agradou tanto que acabei freqüentando a entidade por vários anos, vindo a assumir a sua presidência em 1971.

O que mais me atraía no CORB era o pluralismo democrático reinante entre seus associados, denominados corbianos, que a exemplo de outras associações, em 1964 veio a sofrer uma dispersão geral, quando as reuniões eram realizadas no Sindicato dos Bancários, que por causa do golpe militar sofreu intervenção e o CORB mais uma vez ficou sem local para as suas reuniões, situação enfrentada antes e depois do golpe, pois a entidade, sem fins lucrativos, não possuía sede.

Na década de 80 o CORB encerrou suas atividades, mas um grupo de antigos corbianos, incluindo fundadores da entidade, continua se reunindo mensalmente num restaurante no centro de São Paulo, onde, antes, durante e depois do jantar falam de suas experiências na entidade. Eles resolveram escrever um livro em que a história do Centro de Oratória Rui Barbosa será contada com base em depoimentos de antigos corbianos e documentos que em parte se salvaram do tempo e das mudanças.

A mim coube um relato do denominado período áureo do CORB, no começo dos anos 60, quando as reuniões eram realizadas aos domingos pela manhã no auditório Galeão Coutinho, da União Brasileira de Escritores, em São Paulo.

Estudantes de direito e advogados sempre procuraram aperfeiçoar seus dotes oratórios no CORB. Alguns se tornaram professor da matéria, como Antonio Fernandes Neto e João Meireles Camara, aquele autor do livro "Comunicação e Persuasão", e o último autor das obras "No Plenário do Juri", "Técnicas de Oratória Forense e Parlamentar" e "Estratégia da Palavra", este dedicado aos colegas de turma (1972) do autor, na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Outros professores de oratória começaram no CORB, com Stefanio de Faria Alves, Gualter Brasiliense, Mário Luiz Pereira de Souza e Carlos Aurélio da Mota de Souza, que foi juiz titular da 3ª Vara Cível de Santo André.

Nos anos 60 e 70, Fernandes Neto e Meireles Camara, respectivamente, ministraram cursos de oratória em Santo André (no Sindicato dos Metalúrgicos), na Faculdade de Direito de São Bernardo e no auditório do Teatro Municipal. Na região ainda existem ex-corbianos, como Zoilo de Souza Assis, o casal Valdecirio e Dalila Teles Veras, Valdenízio Petroli, Odilon Soares de Oliveira, o autor desta materia, Alexandre Takara e tantos outros que a memória não ajuda registrar.

Dia desses um antigo corbiano me perguntou: por que alguém do ABC ainda não se lembrou de fundar na região algo semelhante ao CORB?

Eis ai uma pergunta que certamente poderia ser melhor respondida por pessoas mais jovens, principalmente estudantes de direito ou mesmo advogados e outros profissionais que usam a palavra como instrumento de trabalho e difusão de suas ideias.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Companheiro


[4/6] COMPANHEIRO
Tarso de Melo



água parada, sabíamos, não era sua vida
mais cedo ou mais tarde iremos, você iria

tantos anos, quase todo dia,
gostávamos tanto de falar
quanto de um não dizer que mais dizia

e assim estávamos sempre conversando
cada um lendo suas coisas
escrevendo suas coisas
mas num assunto sempre mesmo
ao nosso modo, fundo, mudos

e hoje, um hoje tão longo
passei o dia a dois metros da última conversa
certo de que ela não terminará
a milhas da coragem do último abraço
o corpo frio que não lhe cabe
o corpo frio que não nos cala

foda, amigo, foda
foi olhar da porta da sala
em que você sempre estava
as fotos das crias, das lutas, do que importa
e ver que até a cadeira chorava

e alguém, talvez um eu que juntos fizemos,
folheava um a um os seus livros
procurando o leitor que lhes falta

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Uma greve esquecida




Com certo orgulho, ando a repetir que estudei numa boa universidade, a USP, mas me formei de fato na luta dos trabalhadores metalúrgicos do ABC, em cujo Sindicato trabalhei cerca de trinta anos.
Este nariz de cera para lembrar de fatos históricos de grande importância envolvendo os referidos metalúrgicos, que realizaram entre, 1978 e 1985, quatro grandes greves entre outras menores ocorridas no mesmo período: a da Scania, em 78; a dos peões, em 79;  a dos 41 dias, em 1980, e a “vaca brava”, de 1985, a mais longa do período, com duração de 54 dias.

A histórica greve da Scania, conhecida como a “de máquinas paradas e braços cruzados”, em seu 20º aniversário, foi tão lembrada que mereceu até um caderno especial do Diário do Grande ABC.
Já a greve dos peões, ocorrida em março de 1979, teria passado em brancas nuvens, se o jornalista Ademir Medici, do Diário do Grande ABC, não houvesse registrado em sua coluna Memória, o dia-a-dia da paralisação, baseado no livro “Lula e a Greve dos Peões”.

A greve de 1980, tão importante pela duração reveladora da capacidade de resistência dos metalúrgicos da região, ao que parece também está fadada ao esquecimento. Eclodida a 1º de abril, durou até 11 de maio de 1980, após a prisão de vários de seus líderes como Lula, que em seguida se destacariam com políticos. Na eleição de 82, por exemplo, Gilson Menezes, líder da greve da Scania, foi eleito prefeito de Diadema; Djalma Bom um dos líderes das greves de 79 e 80, elegeu-se deputado federal com 164 mil votos. Lula, candidato a governador do Estado, não foi eleito, mas alavancou a legenda do PT, fundado havia dois anos.

Como se vê, um acontecimento social, político e econômico tão marcante, vinte anos depois é totalmente ignorado pela imprensa, inclusive a local, que tanto espaço dispensou às referidas paralisações.

No seu livro “O ABC da Classe Operária” (Hucitec, 1980), sobre a greve esquecida, o prof. Octavio Ianni assegura: “A verdade é que a greve do ABC, em 80, marca o início de uma nova época no desenvolvimento do processo político brasileiro. A questão da democracia foi recolocada pela classe operária de uma forma surpreendente, tanto para setores burgueses e liberais das oposições como para os próprios governantes. Toda a farsa da ‘abertura’, do ‘novo pacto social’, da democratização de cima para baixo, da reforma das instituições políticas para manter a classe operária e o campesinato fora do poder, tudo isso foi desmascarado pela greve, pela maneira pela qual o governo militar e os empresários atuaram”.

Tribuna Popular - 2000

Temos as cdiddes que merecemos?



Para mim elas representaram tudo: aprendizado, sobrevivência, realização de sonhos e também desilusão.
Nasci na roça, onde morei até os dez anos, quando me mudei para um lugarzinho com menos de mil habitantes; na seqüência, pra outro maiorzinho, sempre sonhando com lugares maiores, metrópoles, onde quem sabe os sonhos sugeridos pelo rádio que na época, meados dos anos 40 não deixava dúvida ser o Rio de Janeiro.
E antes de completar dezoito, peguei um ita no Nordeste com destino à Cidade Maravilhosa, mas durante a viagem o acaso mudou meu rumo e acabei esbarrando em São Paulo, que no final da década de 40, era conhecida como a Terra da Garoa.
Após o espanto do tabaréu na “cidade que mais cresce no mundo”, como então se alardeava, comecei a perceber que na cidade grande prevalecia a lei dos espertos, requerendo peito e coragem para sobreviver-se. E assim procedi. Foram exercícios necessários para a conquista da cidadania plena, a partir de quando me conscientizei de que tudo vale a pena, quando a alma não é pequena, conforme Pessoa havia proclamado.
E esbarro com esse nariz de cera que não me permitiu dizer tudo o que pretendia, neste espaço limitado imitando a lógica dominante nas cidades grandes, cada vez limitando mais o espaço desejado.
E assim, faço minhas as palavras de gente que como eu ama as cidades:
Milton Santos: “O homem de fora é portador de uma memória, espécie de consciência congelada, provinda com ele de um outro lugar. O lugar novo o obriga a um novo aprendizado e a uma nova formulação.”
Joseph Rykwart: “Será que também temos as cidades que merecemos?”
Eis a pauta esquecida, que urge ser retomada. E a propósito: o que aconteceu com o projeto Santo André Cidade Futuro, menina dos olhos do saudoso Celso Daniel?

Antonio Possidonio Sampaio
2004

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Irmão grande

POEMINHA PARA O IRMÃO GRANDE ANTONIO POSSIDONIO SAMPAIO
                    

Meu irmão grande nasceu quinze anos antes de mim
e nossa amizade, hoje, tem metade de sua idade

Conheci meu irmão grande no mesmo dia
em que conheci um irmão do irmão grande
um irmão por eleição, por laços de afinidades

Com esse irmão do irmão grande
casei, tive filhas, netos e vivo

Do irmão grande fiquei amiga
encontros definitivos que duram
sem perspectiva de findar

Meu amigo grande bem mereceria um livro
não um poeminha sem pé nem cabeça
um livro que desse conta de uma vida
sempre em recomeço
sempre em projeto
sempre em estado de bem viver

Meu amigo Sampaio bem mereceria
nestes seus oitenta anos
um texto que não sou capaz de escrever
que falasse de seus muitos méritos
que bem avaliasse seus escritos
que mergulhasse nessa inteira vida
de homem inteiro, em defesa
intransigente do ser humano

Seus méritos, suas angústias, suas falhas,
sua grandeza, sua humanidade não precisam
de ninguém para os dizer ou exaltar
estão nos seus escritos, palavras
recolhidas nas muitas e incessantes andanças
ao lado de Salvador Bahia, alterego
a quem empresta o olhar e a consciência
declaração  explícita e amorosa à cidade

Meu amigo grande
é meu irmão e pronto
irmão de meu marido
tio de minhas filhas
tio avô de meus netos
com direito a ser chamado de tio
sem tio de sangue ser
com direito a ser chamado de irmão
sem irmão de sangue ser

Meu irmão grande fez oitenta
nossa amizade quarenta
e este poeminha não dá conta
da tarefa grande que é dizer
o ser humano grande que ele é.


dalila teles veras, 10 de março de 2012


(nota da autora: Literatura propriamente não é, visto que a palavra comprometida pela proximidade afetiva e isso, na maioria dos casos, prejudica um trabalho mais isento com a linguagem poética propriamente dita. Vale pela intenção de homenagem e sinceridade com que foi construído.)

quinta-feira, 22 de março de 2012

Viva a Vida*

Simone Massenzi Savordelli**


     Ouvir o querido Possidonio contar sobre a sua trajetória de vida e de merecidas conquistas (palestra de Antonio Possidonio Sampaio, durante homenagem recebida pelos seus 80 anos na Livraria Alpharrabio), me fez ficar alerta para a grandiosidade que é a vida. Principalmente a vida das pessoas que tiveram o privilégio de nascer entre as décadas de 1920 e 1930.



     Estas pessoas não só prepararam o futuro com muitas dificuldades, criatividade, determinação, sabedoria e coragem, como viram e viveram uma história e um contexto social que nós (que viemos depois) nunca viveremos igual.

     Observo quão grande é a vida dessas pessoas. Elas viveram do nada ao tudo. Viram tudo: a guerra, ou as guerras; o militarismo, a ditadura, a democracia, o impeachment, o sindicalismo, o desenvolvimento industrial; a natureza na sua mais pura forma, as cidades em construção, a modificação da arquitetura em concreto, o aquecimento global; o cinema preto e branco mudo, o cinema 4 D; os primórdios da novela de rádio, a televisão em alta definição; os mais rudimentares brinquedos, brinquedos virtuais e uma gigantesca revolução tecnológica e de meios de comunicação; os pés descalços, os veículos sonhos de consumo pela velocidade; as poucas roupas, a mudança de hábitos e costumes nas suas mais variadas formas; a família religiosa tradicional e severa, novos núcleos familiares; a ida e vinda de pessoas; perdas e ganhos; dias e noites; conquistas e tragédias.
     Viram e viveram tantos extremos e conseguem sintetizar a suas vidas de maneira tão simples, tão agradável, tão acessível.
     O mais incrível é que estas pessoas nos provam o quanto são capazes de se adaptarem às rápidas e profundas transformações sociais. Estas pessoas mantém uma característica que as tornam verdadeiras peças fundamentais da nossa existência atual: passe o tempo que passar, são pessoas à frente de seu tempo, sempre.
     São pessoas que nos ensinam diariamente e a nós nos resta admirá-los em sua grandeza.
     Por isso o passado deve sempre ser mantido em evidência no presente com a recordação e memória daqueles nele viveram.
     Sem o passado que permite a construção do presente e que empurra o presente para o futuro, nada seríamos.
     Manter a memória pelos relatos, registros, vivências, arte, arquitetura, e pelos que passaram, pelos que continuam e por nós mesmos, é a mais rica forma de respeito pelo valor da vida que encontra seus caminhos nestas bases tão inexplicavelmente perfeitas e complexas.

* publicado originalmente no Blog O Lugar Escrito  (http://www.olugarescrito.com/2012/03/viva-vida_16.html)

** é representante do acervo dos Netos de Pierino Massenzi (artista plástico e cenógrafo). Tem como profissão a advocacia e como engajamento social o recente envolvimento com as questões culturais da região do ABC. Residente em São Bernardo em São Bernardo do Campo.   

quinta-feira, 15 de março de 2012

Aubiografia falada

APS - 10 de março de 2010 - Autobiografia Falada
Livraria Alpharrabio

Leiam no blog da livraria alpharrabio como foi a manhã do dia 10 de março de 2012