Sou de uma época em
que a relação
professor-aluno podia ensejar marcas
profundas, lembranças perenes, hoje tão difíceis, pois no momento pretende o mercado
ser a dimensão
de tudo. Inclusive
da educação, pois
para seus “ideólogos”,
certamente equivocados, o objetivo maior
da educação seria a formação
de mão-de-obra, não
a de cidadãos, estes
a maior pretensão
da época da minha
formação (começo
dos anos 40 a 1964, quando
concluí o curso universitário).
Alguns mestres
me deixaram marcas
inesquecíveis, e de seus
nomes recordo com
carinho; de outros
guardo os nomes na memória,
sem relacionar
motivos para marcas profundas; de outros
– a maioria – me
esqueci pouco tempo
após a conclusão
dos cursos. Houve até
quem, pelos
exemplos, me
levasse a mudar de colégio.
Houve também quem
me decepcionasse por
pregar em classe valores como liberdades
democráticas e, na primeira oportunidade,
negá-los.
Testemunhei esse tipo de procedimento cínico,
oportunista, em
1964, ano em
que concluí o curso
de graduação na Faculdade
de Direito do Largo
de São Francisco.
Essa atitude contraditória,
que costumo debitar
à “cultura do cinismo”
hoje tão
em alta
no Brasil, pode ser avaliada em
alguns de meus
livros, como
Vendedores de Ilusão,
cujo personagem
principal, Carlos Semana,
é um professor
e intelectual comprometido com a liberdade
num país sob
a ditadura; em
Vamos Empinar Papagaio, um
velho advogado
humanista testemunha o desmoronamento, a partir de
64, dos ideais ensinados na faculdade, que a partir de então começa a formar mais técnicos
do que cidadãos.
Mas voltemos ao começo. No antigo
curso primário
cursado no começo da década de 40 em
Itatim (ex-Tanquinho) e Lajedo Alto, no sertão
da Bahia, quem me
marcou foi a professora Beatriz Lemos, moça
de caráter, cujas atitudes
contrárias aos valores da pequena burguesia
local me
despertou a curiosidade pela luta de classes.
Procuro visitar sempre
aquela região próxima
da Chapada Diamantina,
e desvio do itinerário
a fim de rever
a localização dos prédios
onde funcionavam a então
Escola Mista
de Tanquinho e a então Escola Mista de
Lajedo Alto.
Em Itatim, onde
comecei o primário, a professora Maria
José (Zezita) despertou meu interesse pela leitura. Lembro-me como
se fosse hoje, quando
o trem se aproximava, ela pedia que eu fosse comprar o jornal A Tarde e procurasse saber
se a revista Seleções já havia saído.
Eram, então, as leituras
possíveis, além
dos livros escolares.
Devo à professora Zezita, pois, o despertar
para a leitura.
Em 1949 me
mudei para São
Paulo, onde cursei o madureza, o colegial
e a faculdade. Nesses três
cursos, tive professores
que marcaram minha
formação e contribuíram decisivamente para a escolha da profissão
de advogado e o despertar
para matérias
como literatura,
filosofia e as demais
de conteúdo social.
Anderson, professor de Ciências
de um cursinho que
mais tarde
deu origem ao Curso
Santa Inês, merece destaque
especial não
só pela
vocação de mestre
como também
pelo espírito
de solidariedade. Era
época de dificuldades.
Após a aprovação
no madureza, desempregado, encontrei-o casualmente no Parque
D. Pedro II em São
Paulo. Paramos para um
dedo de prosa
e, ao perceber minha
situação, sem
que lhe
pedisse, emprestou-me uma generosa quantia em dinheiro. E sequer
estabeleceu prazo para
devolução, nem
condições. Ele
também era
pobre; estudava medicina
e dava aulas para
custear suas despesas.
Certamente por
conta de sua generosidade (confirmadora dos valores
que pregava em
classe), mais
tarde, com
outros professores,
criou - e prosperou - uma editora, a
Ática, que logo
se destacou entre os leitores no mercado.
No Colégio Oswaldo Cruz, onde
cursei o 1° ano clássico,
tive a oportunidade de conhecer
um professor responsável pela
minha mudança
para o Colégio
Estadual de São Paulo, onde concluí o clássico.
Dos professores do Oswaldo Cruz, só o de latim, professor Bretas, me
marcou por causa
de uma atitude da direção
do colégio. O professor
Bretas, da rede pública,
era rigoroso,
mas justo.
Para a maioria
dos alunos, o latim
era bicho-papão. No fim
do ano, a maioria
estava no vermelho. O expediente
usado para a promoção
de todos foi simples:
anteciparam a aplicação da prova
a cargo de outro
professor sem
consciência do seu
verdadeiro papel.
Ao saber do episódio,
tomei duas decisões: resolvi transferir-me
para a rede pública, submetendo-me a rigoroso
exame de seleção,
e decidi não mais
cursar letras,
depois da seguinte
conclusão: “formar
em letras
e ser tratado
dessa forma!”. Na época, já se prenunciava a desvalorização
do professor público,
que, a exemplo
do professor Bretas, precisava complementar
o ganho ensinando também
na rede privada.
Nos dois
anos no Colégio
Estadual de São Paulo, tive a oportunidade de conhecer professores marcantes,
como o de português,
professor Machado;
Desna, de Geografia; Mário Leônidas Casanova, de Filosofia.
É com saudade
que deles me
recordo.
Na Faculdade de Direito
do Largo de São
Francisco, também tive a oportunidade de conviver
com mestres
que continuaram no meu
coração pela
vida toda.
Faço questão de citar o mais importante
deles: Goffredo Telles Junior, de Introdução
à Ciência do Direito,
que registrou no seu
livro A Folha Dobrada – Lembranças de um
Estudante: “No fundo
de mim, no segredo
de mim mesmo,
eu nutria a esperança
de formar gente, formar
pessoas,
dignas de sua humanidade;
formar juristas, formar estadistas para o Brasil.
Esta era minha
aspiração, meu
ideal secreto”.
A esperança do velho e sempre jovem Goffredo se concretizou. Apesar
de sua idade
avançada, freqüentemente
se encontra com
seus alunos
de outrora e de sempre.
Orgulho-me de figurar entre
eles.
Antonio Possidonio Sampaio [17.05.2005]
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